Vitória no El Origen 2018 – Aconcágua: minha estratégia para vencer
Após cruzar a linha de chegada do El Origen Aconcágua 2018, me desmoronei e comecei a chorar. Naquele momento, uma explosão de emoção tomou conta de mim, e passaram flashes na minha cabeça. Imagens dos últimos 3 km, daquele dia, dos últimos 3 dias de competição, dos 3 meses de treinamento dedicado, dos 3 anos tentando este resultado. E naquele momento era real, tinha acabado de vencer o El Origen 2018.
O El Origen é uma corrida de montanha em etapas. Ao longo de 3 dias, são etapas distintas que corremos por trilhas, onde a soma de tempo de cada uma das etapas define a classificação da
prova. Minha primeira participação na prova foi em 2015, em Vila La Angostura, na Argentina. Era o único
brasileiro a participar naqu
ela edição, quando a prova ainda estava crescendo e na ocasião obtive um inesperado 2o lugar nos 100km. No ano seguinte decidi voltar para a prova, mas desta vez enquanto me preparava, uma lesão (fascite plantar) atrapalhou meus planos. De tanta dor nos pés, já não tinha mais vontade de correr. Como estava inscrito na prova e com passagem comprada, decidi f
azê-la com minha filha que na época tinha um ano, carregando nas costas em uma mochila. Após aquela edição iniciei tratamento, mas convivi com a fascite plantar ainda por 2 anos.
Então voltei ao “El Origen” pela terceira vez, em 2017, ainda na Patagônia Argentina. Corri bem, mas obtive um 3o lugar no geral (2o na minha categoria).
Até que a prova cruzou fronteiras e anunciou que seria no Chile, aos pés do monte Aconcágua, a montanha mais alta das américas com 6962m de altitude. No local, as condições eram diferentes, dos ano anteriores. O frio até que se assemelhava ao da Patagônia, mas a altitude era um fator externo desconhecido e inesperado.
Nesta edição, a base da prova foi na famosa estação de esqui de Portillo, localizada a cerca de 2h de carro de Santiago, e a menos de 20km da fronteira com a Argentina. Em Portillo, os atletas optam por se hospedarem no hotel, em alojamentos, em barracas vips ou barracas tradicionais. Adoro a aventura intensa, completa e com minha esposa decidi por acampar na prova. No dia que chegamos, a montagem da barraca se deu debaixo de uma garoa fria e muito vento, onde o clima mostrava um pouco da sua força. Confesso que a primeira noite não foi das mais confortáveis, onde a temperatura deve ter beirado os 4oC e saco de dormir não “segurou tanto” as baixas temperaturas. Pior era sair da barraca para urinar na madrugada gelada. Mas até isso valeu a pena: estávamos com lua cheia, e a imagem da lua por trás de algumas montanhas, enquanto iluminava outras montanhas enormes e o céu estrelado não em saíram mais da cabeça. Foi bom pois todas as noites quando queria sair para urinar, também era momento de “delirar” naquele céu.
A 1a etapa da prova (dia 01 de março) foi a etapa mais longa, com 38km. Largamos em direção ao Aconcágua, ainda com baixas temperaturas, antes de o sol começar a radiar nas trilhas. Os primeiros 8km foram terríveis para mim. A altitude e o frio faziam efeito sobre meu organismo. Eu me sentia muito cansado já no início da prova e não conseguia render, apesar de o terreno não ser tão íngreme. Eu não conhecia em os principais adversários, e por isso não queria deixa-los abrir muito. Cris Herrerera,corredor de Mendoza patrocinado pela
The North Face imprimia um ritmo forte e constante, onde fui tentando sobreviver, junto com outros 2 atletas. Não era exatamente o que eu havia planejado, pois queria fazer uma prova de ritmo progressivo. Depois de uns 10km, com temperatura mais alta e altitude mais baixa, comecei a me sentir bem. Fomos juntos até o km18, em um ponto de hidratação onde fiscais da prova checaram nossos equipamentos obrigatórios. A partir dali iniciava u
ma longa e progressiva subida, onde o ritmo se mantinha forte e eu me sentia muito bem. No trecho mais íngreme consegui me destacar e quando começamos a descer, eu já tinha uma pequ
ena vantagem, estava na liderança. Desci forte e mantive o ritmo até o km 30. Al
i era possível ver que a vantagem já passava de 3 ou 4 minutos. Ainda bem, pois os 8km finais foram muito difíceis, todo em subida, onde ia negociando comigo mesmo trechos que corria e trechos que caminhava. Terminei esta etapa em 4h17min, muito exausto. Mas o esforço valeu, pois abri vantagem de mais de 10 min sobre o segundo colocado, atleta de Santiago apoiado pela Merrel.
A 2a etapa da prova foi a mais curta, com 17km, mas marcada por ser a que atingimos o ponto mais alto da prova(3900m de altitude) e por ter muita descida também. Nas prova de etapas existe um “jogo de estratégias”. Alinhei com meus adversários (do Chile e Argentina), mas que naquele momento já nos conhecíamos, conversamos bastante no dia anterior. Largamos juntos para uma etapa
com forte e longa subida no inicio. Fui dando o ritmo e eles acompanhando. Chegamos ao ponto mais alto quase juntos, no “Cristo Redentor”, onde atravessamos fronteira entre Argentina e Chile correndo. Aí na descida que o atleta do país anfitrião começou a despencar na frente, descendo muito rápido, sobretudo nos trechos mais técnicos, com muitas pedras. Lá fui eu novamente de trás tentando manter uma distância para que não saíssem do meu campo visual. “Coração na
boca” por longo trecho, para que não abrisse tanto, até que chegamos em trecho plano e consegui encostar neles. Os últimos 3km de priva tinha uma subida muito íngreme de 2k seguido de u
ma descida forte. Eu já sabia que desciam melhor do que eu, então para não ter mais surpresas, forcei o ritmo na subida. Consegui abrir um pouco, o que me deu tranquilidade para descer na frente e terminar esta etapa novamente na frente, com 2h10min de prova e 2min a frente do segundo colocado.
A etapa curta permitiu uma boa recuperação para o último dia. Nossa base ficava às margens de um gelado lado de cor azul turquesa. Ali aproveitei para fazer “gelo” nas pernas, um processo chamado de “crioterapia”, utilizado para diminuir o processo inflamatório nas pernas. Para completar o relaxamento, piscina aquecida do complexo de esqui com vista incrível.
Na 3a etapa eu estava em uma situação confortável, uma vez que tinha vantagem de mais de 13min para o segundo colocado e mais de 20 para o terceiro. Novamente antes da largada trocamos palavras, comidas e partimos juntos para a etapa de 18km, onde a primeira metade a predominância era plana e a última metade toda de subida. Mais uma vez colocamos um ritmo forte e
constante, onde após 6km pudemos nos destacar dos demais corredores da prova. O primeiro ponto de hidratação era dentro de um parque particular, no vale do rio Juncal, um dos mais importante da região, mantendo suas car
acterísticas de pureza da água. Posso dizer que já está virando tradição no El Origen, no último dia ter boas surpresas para os atletas. No ponto de hidratação, além de água, Powerade, queijos, presuntos, azeitonas e bolachas, havia cerveja para os atletas. No nosso caso na ponta não dava para tomar, mas muitos amigos desfrutaram da gelada na prova. O trecho de subida era muito pitoresco, por uma antiga e desativada linha de trem, com mais de 100 anos de existência. No percurso, passamos por longos e gelados túneis, onde usamos lanterna para ver por onde pisávamos. Também passamos por encostas íngremes e em outras épocas tomadas por desmoronamentos. Enquanto subíamos, víamos lá embaixo a estrada de “caracol” com 30 curvas , por onde os carros subiam a montanha para cruz
ar os Andes. Seguíamos os três juntos, já tirando fotos juntos naquele percurso lindo e desafiador. Faltavam menos de 4km para a chegada quando a prova já parecia definida. Seria quase impossível um conseguir abrir vantagem tão grande do outro. Foi então que eu correndo na frente tropecei e caí sobre pedra, golpeando o joelho e canela. Fiquei no chão e quando os dois chegaram me deram as mãos para me levantar. Eu não conseguia correr de dor no joelho e segui caminhando. Os dois seguiram caminhando comigo, até que eu disse a eles que poderiam seguir correndo. E eles se viraram para mim e disseram – “tranquilo, tranquilo, vamos j
unto com você!” Cris ainda me deu um remédio para diminuir a dor e alguns minutos depois juntos começamos novamente a correr.
Depois desta demonstração de solidariedade que vemos muito nas provas em meio a ambientes naturais, não poderíamos terminar a forma diferente de como fizemos toda aquela etapa: juntos. Cruzamos a linha de chegada juntos, nos respeitando ainda mais do que quando começamos a competição.
Por este e outros exemplos de fair play, que tanto gosto de esportes na natureza, onde a cada prova fazemos novos amigos.
Com um final de prova como este, não tinha como me conter em lágrimas de tanta emoção. Era o resultado de momentos de superação na prova, de meses dedicados à preparação, abdicando algumas vezes de momentos de lazer para conseguir performar bem na prova.
Foi uma emoção imensa, e uma satisfação ter passado dias na montanha, com minha esposa junto de velhos e novos amigos. Desfrutamos de uma corrida com paisagens incríveis. Comemos em restaurante com vista linda e comida variada. Nos momentos de descanso usufruímos do hotel e sua estrutura para a prova.
Aproveito para agradecer à TMX e toda a sua equipe organizadora do evento por propiciar uma prova como esta. A Kailash e LAF Seguros pelo apoio na prova e principalmente à minha família e a Deus por mais esta experiência.
Satisfação plena e a certeza de que em 2019 estarei de volta ao El Origen.